domingo, 11 de setembro de 2011

WC FEMININO

Nunca pensei que uma fila de banheiro me renderia algo além de uma boa dose de impaciência. Enquanto espero ali, sei que perco meia dúzia de gargalhadas na mesa e meu copo perde a temperatura ideal. Sabe aquela sensação que tínhamos nos bancos da universidade quando a melhor aula do melhor professor foi justamente aquela que você perdeu? E o show daquela banda? Você não foi, mas eles arrasaram! Então, é essa a sensação que tinha ao deixar a mesa para enfrentar incontáveis minutos na fila. Isso antes, porque agora, o banheiro feminino, de preferência bem cheio, virou para mim objeto de pesquisa.
O WC me reservaria reflexões ímpares. Assistiria ali a dança da fêmea tentando intimidar a própria espécie. Questiono: atrairia a outra espécie assim? Quero muito pensar que não! O espelho inflava egos narcisistas, espremia quem almejava apenas cumprir ali um ritual fisiológico. Gargalhadas...muitas! Dos outros, do nada,por nada. Menos pelo mais engraçado: si mesmas.
A fila não andava e o que antes era um tormento ganhava um estranho e íntimo desejo de que o tempo durasse um pouco mais. Não muito, mas o suficiente para responder minhas indagações. Observava atentamente cada movimento, experimentando criar sentido para eles. A roupa apertada moldava incomodamente a silhueta, desenhava contornos cujo padrão nem sempre considera atraentes. Os sapatos, maltratavam os pés como em um ritual do oriente que aleija com o intuito de embelezar.
Como sofrem algumas mulheres que se sujeitam ao molde! E como são iguais! Iguais nas cores, nas texturas, nos sabores das frutas eleitas para representá-las. Iguais no que vestem, no que falam, no que ouvem e na maneira como andam. Eu dividia naquela pequena multidão com outras duas ou três mulheres a máxima “peixe fora d’água”. Não sabíamos nos comportar como exigia a situação. Estávamos despidas das ferramentas necessárias para completar a cena. Também, nunca foi esse o nosso desejo. Falo por elas, embora não as conheça, pelo olhar atônito trocado no silêncio. Éramos desgarradas do rebanho afoito. Tínhamos, talvez, a serenidade de poder ser “gauche na vida” sem a alienação absurda em relação ao que é essencialmente belo.
A verdadeira vaidade não acontece só porque existe o olhar do outro. Existe porque é um carinho, um cuidado seu com você mesmo e isso nem sempre é explícito e muito menos depende de holofotes. O olhar do outro será verdadeiramente seu se você for naturalmente de verdade e isso inclui olheiras e cicatrizes.
Chega finalmente minha vez. No cômodo de decoração duvidosa cumpro o desfecho de uma história distante da minha realidade. Saio sem me despedir. De alma leve volto à mesa. Nela, não disputamos espelhos, nem moldes, nem egos. Somos felizes. Simples assim!
Ludimila Beviláqua F. Terra

terça-feira, 26 de julho de 2011

PARA QUE SERVE UM IRMÃO?

Um irmão serve para dividir os apertos
E para dar sentido ao aperto de mão.
Um irmão serve para acolher,emprestar o ombro e o coração.
Serve para parar o relógio diante da pressa e ouvir.
Serve para transformar o silêncio em conselho.

Para que serve um irmão?
Serve para compartilhar aquela música,
Para conversar com os olhos,
Para emocionar o encontro.
Para manter viva a memória.

Um irmão serve para descontarmos nossa fúria,
Para aprendermos a pedir desculpas,
Para aprendermos perdoar.

Para que serve um irmão?
Um irmão serve para nos levar para casa,
Para sentir e provocar ciúmes.
Para recomendar o melhor bar,
E sentir sua ausência na hora do brinde.

Um irmão serve para nos honrar,
Para nos orgulhar,
Para nos fazer sorrir
Para compartilhar lembranças e emoções.

Serve para que nunca, e em tempo algum, estejamos sós!


PARA A CIDADE DE PEDRO


Que Petrópolis é uma cidade encantadora é fato, é lugar-comum reverenciar sua arquitetura, suas inesgotáveis referências históricas, seus personagens reais em enredos que povoam nossos livros didáticos e literários.
Vivi em Petrópolis por dois anos e desde então, não consigo passar um só ano inteiro sem beber de suas fontes: a cultura, a gentileza dos passantes, o geladinho das manhãs. É como energizar para seguir o caminho.
Foi para isso que passei por ali no último feriado. Fotografava como uma turista e tentava ângulos ainda não registrados nesses anos todos de convivência. E como os encontro! Infinitos ângulos, inusitadas cenas. Não tenho a conta das imagens registradas, mas não há uma só repetida, ainda que seja do mesmo lugar.
Fiquei pensando, então, nas mais belas descrições que li sobre Petrópolis. A última, e talvez a mais bela, foi assinada pelo maestro João Carlos Martins numa crônica da Revista de Domingo do Globo. Falava da sua relação de intimidade e paixão. De sentimentos que o moveriam na apresentação que faria na cidade. Sua descrição era emocionante, lúdica e forte como sua vida e sua obra.
Inebriada pelos caminhos que o autor me conduziu, comecei um passeio pela luz do inverno. A manhã petropolitana é cintilante nesta estação. Caminhar por suas calçadas e observar a maneira como o Sol abraça sua arquitetura, é saudável para o espírito. A Catedral iluminada pelo Astro Rei remonta cenários cinematográficos, de atmosfera lírica. Ali, não me curvo à monarquia, mas, definitivamente, me faço súdita dessa cidade.
Preciso voltar, sempre, a Petrópolis. Tenho motivos para isso, muitos. Mas o maior de todos é por ter começado ali a maior das histórias de amor. E por isso, enxergo as belezas e tão somente elas. Reconheço os problemas, mas quando estou na cidade de Pedro não penso neles, não os vivo, não os quero. Pena mesmo é que o Natal seja no verão. Pois vestida de luzes para a festa, Petrópolis é sedutora. Combinaria muito com o tinto do vinho.
Revivo, passeando, personagens de uma história real: a minha história. Vão envolvendo-me aos poucos numa saudosa sensação. Tenho ali também a acalentadora impressão de estar em casa.
Petrópolis é muitas. Tem a Bohemia e a boemia. Tem a arte e inúmeras manifestações artísticas. Tem meninos-canários cujas vozes remetem ao Divino. Tem palácios encobertos pela névoa branquinha nos convidando a admirá-los. Tem a Sombra e a Luz recontando a História do nosso país, cruzando os jardins que Pedro caprichosamente cultivou. Tem vitrais coloridos e verdes caminhos. E muitas vezes reticências.
A atmosfera petropolitana é decididamente singular. E foi essa atmosfera que dividimos com os amigos em nossa última passagem por aquelas terras. E por ter sido tão bom, é que partilho com você, leitor, uma fatia desse bolo que provavelmente já tenha sentido o sabor, ou quem sabe seja um convite, para que também saboreie uns dias na serra.
Os parabéns, na ocasião, eram para os 150 anos da estrada União e Indústria. O chopp, mais bem servido que já experimentei, vinha da antiga fábrica da Cervejaria Bohemia, reativada para saudar os convidados, o cenário era o Palácio de Cristal. E foi assim que brindamos mais uma vez à vida, ao amor e à alegria de podermos estar ali. Saúde!

quinta-feira, 16 de junho de 2011

CARANGOLANDO

“A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.” (Graciliano Ramos)

Fazemos escolhas. E são elas que vão dizendo com o tempo quem somos. Escolhemos os amigos, escolhemos a profissão, escolhemos ser felizes. O que nos faz escolher uma cidade do interior de Minas para viver e criar nossos filhos? Tenho inúmeros argumentos que justifiquem essa escolha, entre os principais, o sossego, a segurança, a proximidade de tudo, inclusive das vidas. Foi um pouco do que me moveu quando escolhi viver em Carangola. Terra natal, terra de cachoeiras exuberantes e caminhos mineiros com suas paisagens na janela. Terra de amigos tão íntimos, família, histórias.
Mas o cenário vem mudando, descaracterizando-se... Não falo das montanhas cortadas pelo precário asfalto por onde supostamente chegaria o progresso, nem dos prédios que fazem sombra na nossa bela história de arquitetura térrea. Falo de reações, importadas dos grandes centros. A falta de paciência é a principal delas. Temos engarrafamento(?). Excesso de automóveis, de falta de educação e de imprudência. Temos semáforo e pessoas buzinando assim que ele abre, mostrando que estão devidamente antenadas com o comportamento das metrópoles. Falta que xinguem, porque os gestos e as caras fechadas já estão devidamente atualizados. Mal humor, falta de gentileza, pressa. Não foi essa a cidade que escolhi. Não combina dirigir dando voltas em busca de uma vaga. Não combina barulho. Não combina fila no mercado. Não combina violência. Não combina insegurança. É, temos violência, residências assaltadas, não é moderno? Temos horários mais seguros para os filhos transitarem, temos grades e cercas elétricas. Temos medo.
Se é para convivermos com todas as mazelas de uma grande cidade, não vale então nos privarmos do cinema, do teatro, das variedades, das oportunidades. Se nas calçadas não há mais lugar para as cadeiras e a prosa dos vizinhos enquanto os filhos jogam bola na rua, vamos então lotar andares de desconhecidos, encaixotar pessoas e pagar cada dia mais caro pelo metro quadrado.
Chega de romantizar Carangola, fazer versos para um rio sujo, maltratado pela ignorância. Chega de idealizar títulos que nem importância teriam nesse contexto. O que a realidade esfrega impiedosa na nossa cara é que temos jovens e não fazemos nada por eles; temos escolas e atuamos muitas vezes contra elas; temos carnaval e tiramos dele o samba e a fantasia: a literal e a subjetiva.
Otimista, me agarro ao que penso poder nos livrar dessa pseudomodernidade: nossa poesia, nosso olhar lírico, nossa mineiridade. O amor pelo simples, a falta de pressa, o ouvir o amigo sem olhar pelo menos três vezes no relógio. Gerar gentilezas, esperar, parar, lembrar que temos passarinho. Não reclamar do perfume da Dama da Noite, insistente em seduzir os apressados passantes. Olhar o céu em noite de Lua, em dias azuis, em dias nublados (nós,mineiros,gostamos), com ou sem estrelas...olhar o céu! E aqui, romantizo as pessoas.
Bom dia, boa tarde , boa noite... vamos tomar um café? Nossas casas de portas abertas, o frescor do outono, o desenho das montanhas, o colo para o filho, o colo como filho. Estamos com crédito, as coisas boas ainda ultrapassam as ruins e é nisso que precisamos investir: nas pessoas do bem, na força da palavra e na esperança, que dizem nunca morrer.


Ludimila Beviláqua Fernandes Terra

domingo, 13 de fevereiro de 2011

PRETÉRITO MAIS QUE PERFEITO

(Crônica publicada no site www.jccarangola.com.br 29 de janeiro de 2011)

Muitas vezes fiz rir alguns amigos quando discutia a prepotência de um pretérito que se julga “mais que perfeito” . Teorias e destilações gramaticais à parte, pude compreender, finalmente, a função desse passado.

Para entender melhor, na última segunda fui surpreendida no café da manhã por um telefonema que me desestruturou, fez fugir de mim a tão protetora segurança das terras capricornianas: minha amiga June havia morrido! E eu, mais uma vez, não estava perto dela.

Começo a reviver nossos, então, mais plurais pretéritos, um longa de muitas narrativas, com tempo e espaço ilimitados por nossos delírios literários. Nem no meu mais sórdido enredo ficcionaria esse desfecho.

Não, não era sua hora, era cedo demais, dolorido demais, triste demais. Tudo nela foi superlativo, até a forma de morrer. Superlativa também é a saudade, que vai embolando assim a nossa voz, que faz com que cruzemos olhares perdidos, molhados e azuis, colorindo a tristeza com sua cor predileta.

Rimos sempre e muito de muitas coisas, seu humor ácido que maltratava desentendidos sem piedade e fazia dela a “minha Clarice”.

Muitos pretéritos… nossa adolescência de ideais tão precoces, nossa juventude nutrida pelas músicas e livros que fizeram de nós quem somos, nossos encontros não realizados, nossos inesquecíveis encontros realizados, nossos filhos pintando juntos aquele guarda-roupa…

Impossível não ter em mim as consequências dessa amizade, que são muitas e que se farão presente e futuro sempre e que me fazem hoje, compreender finalmente a função desse pretérito que é mesmo mais que perfeito. Ele existe para contarmos histórias de amigos, de amor, de vida, de família. Ele existe, porque existem pessoas, sentimentos, momentos e contextos que não cabem em sínteses e para isso ele precisa ser superlativo, como ela, que deixou comigo muitas histórias que ainda poderão ser contadas através do que mais cultuamos: a palavra; seja ela escrita, pronunciada, cantada ou simplesmente encantada, assim como minha amiga azul. Reticências.

Ludimila Beviláqua F. Terra

domingo, 5 de setembro de 2010

PALADAR

QUANDO ABRIMOS UM LIVRO
A PALAVRA SE ALIMENTA DE NÓS
E DEIXA NOSSO CORPO ASSIM...
SEDENTO DE ALMA E ASAS
EM BRANCO, COMO PÁGINAS LIVRES
ATÉ SENTIR DE NOVO A FOME
QUE É BREVE E INTENSA
E AO ABRIRMOS NOVAMENTE UM LIVRO
PERCEBEMOS QUE O ALIMENTO
QUE PENSAMOS SER
ALI ESTÁ
COM O FRESCOR DIVINO
E INFINITO DO CONHECIMENTO

Ludimila Beviláqua F. Terra

NOSSOS ÍDOLOS AINDA SÃO OS MESMOS?

Ludimila Beviláqua Fernandes Terra

A juventude repete reinventando a história, dá a ela novos tons (de cores e melodias), rende-se apaixonadamente a ídolos hoje tão volúveis e imediatos. A memória encurta-se cada vez mais e o sentido do bom parece ganhar novas conotações. Como é mesmo o nome daquela banda cantada incansavelmente no verão passado? Como é mesmo aquela música que a estação nos impunha para realçar ainda mais o calor ? Onde foram parar as batidas compassadas, repetitivas , que prometiam ficar ? Alívio:sumiram como sumiu o pensamento daqueles que juravam estar diante de um novo fenômeno musical. Ambos pela insuficiência de argumentos.
Dizem que o que é realmente bom, dura pra sempre! Não conheço o tempo relativo ao sempre, mas posso afirmar que o que é bom sempre fica. A arte aí está para nos provar historicamente essa colocação. A pintura, a escultura, a literatura, a música : quando verdadeiramente expressadas, ficam. E que bom que ficam!
De todas as artes, a música talvez seja a mais possível. Em cada canto de mundo, seja por um radinho de pilhas ou por um sofisticado equipamento, a música chega. Encanta e seduz. Não pretendo aqui, julgar tribos ou gostos. Muito menos destilar conceitos, pré-conceitos ou pós-conceitos, embora os tenha. Mas sou uma ouvinte e uma consumidora exigente, portanto, parcial.
Sempre gostei e consumi música. Acompanhei a trajetória de meus ídolos, cantei com eles, chorei por eles. Meus cabelos e roupas denunciavam o tipo de vinil que rolava na minha vitrola, hoje convertidos em uma zelada coleção de cds. Por isso, lamento tanto quando vejo a ausência de personalidade, de estilo e de exigência, ao reunirem no mesmo cd o que há de melhor com o que há de pior na música sem ao menos perceber a diferença e, como se nada significasse, as pessoas permanecem , dançando ou não, inertes. E ainda dão nome a essa absurda falta de coerência, de ecletismo.
O rock sempre foi sinônimo de transgressão. Era o diferente, e o diferente sempre desafia. O mundo, então, vivia de uma outra forma. Festivais de música reuniam jovens politizados que usavam a música, fosse ela dedilhada em um violão ou no rangido de uma guitarra, para fazer valer o direito à liberdade. O sentimento libertário sempre moveu o mundo musical. Portanto, pegue a guitarra, junte a banda, pesquise sobre música, estude, informe-se, produza e ouça qualidade. Fique bem longe de tudo aquilo que existe pra te detonar, inclusive pessoas. Chame os amigos, divirta-se.
Quem sabe, mexendo nos empoeirados vinis de fundo de gaveta, você verá que a juventude ,com todas as suas minúcias , não é um privilégio só seu e que é nela, no seu tempo, que a música poderá ou não ser pra você, muito, muito mais que a promessa de uma festa, com começo e fim!

FOTOGRAFIA DA MEMÓRIA


FOTOGRAFIA DA MEMÓRIA

No grande espaço delimitado construiu-se a casa. Ergueu-se o templo onde belas relações seriam partilhadas... coincidências de almas.
As paredes, sólidas e imponentes, abrigavam histórias. Suas cores e texturas rústicas compunham cenários inusitados: pinturas e fotografias divertidamente distribuídas em efeitos visuais impactantes.
Janelas, eram muitas... daquelas de guilhotina. Abertura de dois lados; madeira pesada; trinco de ferro.
Os portais, pareciam gigantes imóveis, próprios de brincadeiras, escaladas, aventuras lá no alto : infâncias...
Os cômodos, em sua maioria, comunicavam com a sala principal. Desembocavam como rios trazendo seus navegantes para o encontro, a conversa, os casos.
Quartos amplos, pé-direito nas alturas: permissão para adormecer, pois o ar circulava fresquinho, tranquilizador.
A cozinha, era de mineiro mesmo; nela, as reuniões eram sempre animadas, regadas a farturas. Mesa extensa com longos bancos, onde amigos brindavam a próxima fornada, enquanto a lenha estalava como que comemorando aqueles momentos.
Dali, a escada levava ao quintal onde bichos e plantas conviviam harmonicamente. Da rede pendurada na majestosa árvore, eu observava apaixonadamente aquela casa: linda, quando se vestia para o Natal.
E a mãe, por ali, ainda hoje passeia em minha memória, beija o pai e me abençoa.


Ludimila Beviláqua Fernandes Terra

sexta-feira, 9 de outubro de 2009


UM TOM
Ludimila Beviláqua F. Terra


TENHO PALAVRAS SOLTAS...

"PAU, PEDRA, FIM DO CAMINHO"

O MAESTRO SE FOI

HARMONIA ÓRFÃ.

UM BRASIL..UM TOM

BRASILEIRO

E IPANEMA PERDE O GAROTO.

MAS O QUE CHORO É AINDA MAIS:

É POR NÃO VER RECOMEÇO,

É POR INTERROMPER A BOSSA

AINDA NOVA EM MIM.

E ELE SE COMPÔS:

MUSICALIZOU CONQUISTAS,

LAMENTOU PERDAS.

CANTOU O PAÍS

E O MUNDO SE ENCANTOU.

A HAMONIA ESTÁ ÓRFÃ.

E AS PALAVRAS SE UNEM:

MEU BEIJO, MAESTRO.

PEDRA

FIM DO CAMINHO.

sexta-feira, 31 de julho de 2009


CONSIDERAÇÕES SOBRE UM PIJAMA


O azul nada tinha de céu

Os pés descalços nada tinham de liberdade

O sol nem era bem vindo

pois o trabalho não era dignidade


O espaço, não era sideral

O encontro não era ocasional

O choro não era proposital

A dor era real

Os uniformes sem compaixão

Os disformes sem ilusão

Os conformes sem solução


E o azul, nada tinha de céu

E o humano pouco tinha de seu

Diante do outro

O olhar da inocência

Sem entender tamanha insolência

Brincou, como se fosse o céu

Sonhou, como se fosse seu

Morreu, como se fosse eu

Ponto final


O LIVRO EM TRÊS CONJUGAÇÕES

um livro por ler

um livro para ler

um livro para ter

um livro para ser

um livro para comer

outro por cometer

um livro para começar

um livro para desfrutar

um livro para aspirar

outro para terminar

um livro para sentir

um livro para exprimir

um livro para digerir

um livro para consumir

outro para deglutir

um livro

eu livre

eu li

domingo, 19 de julho de 2009

A SABEDORIA COVARDE

Temos medo de formar leitores...desses que subvertem, contestam, atestam. Temos medo de formar leitores, da mesma forma que temos medo de formar eleitores. A leitura ainda é usada de maneira excludente, como em sua arrogante origem. Tentamos fazê-la democrática, mascaradamente democrática, mas a leitura, ainda é privilégio. E aquele que acredita tê-la dominado, se humilha diante da manipulação apelativa e inteligente da publicidade. Passivo, atende aos caprichos de anúncios minuciosamente elaborados para seduzi-lo. E se rende...sem nenhuma contestação.

Falamos de uma escola humanista e hipertextualizada, mas não fomos preparados para conduzi-la. Falamos de pluralidade textual como fórmula mágica de acompanhar a grande rede, mas nosso despreparo nos assusta e nos posiciona covardemente diante do outro.

Enquanto destilamos conceitos e nos apropriamos de códigos, o leitor vai, assumidamente, se relacionado com textos convenientes à sua vida. Aí se encontra a possibilidade de envolvê-lo com o ato de ler: provando de palavras que pode saborear, porque lle são possíveis.

A história nos comprova essa relaçãoquando nos remete aos folhetins, degustados prazerosamente, capítulo por capítulo, em praças públicas. O encanto pela leitura era real e o corpo tembém falava. É certo que se criaram funções práticas que fariam da leitura uma maneira de ascender socialmente aqueles que eram economicamente desfavorecidos e isso, certamente, ofuscou o olhar do leitor, obrigou-o, desafiou-o como gente.

Um leitor, jamais pode repousar... ele precisa produzir sentidos, não se subordinar, não permitir que a leitura se perca e reviver, através dela, a sua constante renovação.


Ludimila Beviláqua Fernandes Terra

quarta-feira, 15 de julho de 2009


PALAVRA COMPOSTA

Da pulsante aquarela
A palavra-imagem
Salta aos olhos
E percorre serena
E caprichosamente seu destino-artéria.


Cintila e emana vida
Partilhada e desejada.
A infância transfigura-se em flor
A flor transfigura-se em ideal.

Do desenho-jardim
Vou colher a matéria-sonho
E encontro solidez:
Madre-mãe Coração-semente.

Percebo na cor
O traçado vibrante da existência
Contornos incertos
Certezas contornadas:
Verdades.

Pinto, então, com palavras,
Uma tela transparente
Que sobreposta à imagem
Revela-se em harmônica energia:
Madre-mãe
Eu e Ela
A Palavra e a Tela:
IRMÃS.



Ludimila Beviláqua F. Terra
MEMÓRIAS

Algumas coisas são essenciais... os sentidos, por exemplo. Tato, visão olfato, paladar e audição se unen numa perfeita definição: a possibilidade de sentir integralmente as emoções.
Vivo uma delas, em sua plenitude.
À minha frente, corredores, salas, varandas, pátio, jardim, compõem um cenário absolutamente familiar. Há vinte e um anos atrás, os portões da Regina Pacis eram para mim uma incógnita; representavam o novo, o improvável, o imprevisível.
Eu, uma criança de dez anos, experimentava no estômago o friozinho da estréia.
Minha vida seria então habitada por personagens e personalidades inesquecíveis. Alí, aprenderia o poder da palavra : escrita, falada, escutada. Alí, sentiria que a camisa de um time é muito mais que a representação de uma equipe; construiria sólidas amizades. Alí, viveria as transformações da idade, me identificaria ou não com pessoas e atitudes, respeitaria as diferenças...cresceria.
Vinte e um anos depois, à minha frente, os portões da Regina Pacis eram novamente uma incógnita, um imprevisível encontro e outra vez a estréia me esfriou o estômago.
Nesse momento provei intensamente de meus sentidos... o cenário, agora seria identificado por seus cheiros, gostos, sons e belezas. Experimentei lembranças.
Meu Deus... o cheiro da capela, perfume pra alma!
No pátio, as reivindicações por um lugar no time me retornavam sons muito presentes. Deslizei minhas mãos pelo corrimão da imponente escada e pude perceber sua imutável solidez.
O lanche no recreio... a incontestável beleza arquitetônica...rostos tão conhecidos...íntimos.
Hoje não vim buscar a “caderneta”, mas meu diário de classe!
Para meus alunos, resgato o melhor de meus mestes.
Para minha escola, resgato minha história ; revisito saudosamente as páginas de seu livro-vida e encontro nas palavras do poeta minha saudação :
“ Evoca os reinos incomunicáveis do espírito, onde o sonho se torna pensamento, onde o traço se torna existência “.
É... algumas coisas são decididamente essenciais!

Ludimila Beviláqua Fernandes Terra

terça-feira, 7 de julho de 2009

DESCREVER


Quando escrevo
Tenho a coragem de um sonâmbulo
Quando escrevo
Provo da eterna ausência de forma da alma.

Escrever, é não limitar a palavra
É desrespeitar o óbvio, é compor.

Quando escrevo
Possuo a força de um homem
A alegria de uma criança
A compreensão de uma mulher.

Quando escrevo
Ganho a solidez da terra
O romantismo do mar
O mistério do céu.

Escrever, é se desprender de formas
É não crer em fórmulas
Ilimitar-se

Escrever, é como ouvir música...
É dançar.

Quando escrevo
Sou a versatilidade do acaso
A proteção de uma mãe
E a pretensão de um ser humano.


Ludimila Beviláqua F. Terra







segunda-feira, 6 de julho de 2009


ACORDES


Num delicado movimento, os dedos acordam, suavemente, as cordas de um violão. Nesse momento, os amigos aproximam suas cadeiras da mesa e brindam com os olhos, numa conivência sã.
Dali pra frente, a melodia marcará o compasso da prosa. Pelos versos dos Borges, o manto azul-escuro , salpicado de estrelas, nos cobrirá por mais uma noite.
A lua, se não houver, será cantada ... encantada ... compartilhada.
Minas, é absolutamente musical. Feita de palavras pautadas. Feita de janelas que se abrem para paisagens estonteantes. Feita de girassóis que assumem tonalidades surpreendentes. Feita pra cantar.
Conviver com a música mineira, é conviver com a mais sensível expressão do belo. É deixar a cachoeira te lavar a alma ; é curar-se com perfumadas ervas.
Perceber a música mineira, é aprender a bordar ; é vigiar o avesso perfeito : costurar ... tecer. É tropeçar nas pedras do caminho : poetizar.
Saborear a música mineira é fazer amigos ; é fazer compadres ; é fazer cúmplices.
E assim, a cor alaranjada anuncia o sol. Na mesa, no último brinde , um próximo encontro.
Embriagados pelo som, nos despedimos de um sonho que jamais deixaremos envelhecer.

Ludimila Beviláqua Fernandes Terra

Crônica publicada no livro “Minas eu te amo”

sábado, 4 de julho de 2009


SONO DE FILHO


DA LEVE RESPIRAÇÃO
A PROFUNDIDADE DO SONO
ACALMA MEUS SENTIDOS.
AO OLHÁ-LO, CAPTO TREJEITOS PATERNOS
DE VERACIDADE ABSOLUTA.

ROGO POR SUA PROTEÇÃO
CONSERTO OS CACHINHOS
DESARRUMADOS POR SEUS SONHOS DE HERÓI
IDEALIZO QUE SUA FELICIDADE SEJA PLENA.

DE SUAS HISTÓRIAS INFANTIS
O DELÍRIO MÁGICO DO VÔO
UNE-SE AO PODER DOS ELEMENTOS
TORNANDO-O UM SER IMBATÍVEL.
CRESCE NELE O HOMEM FORTE QUE VIRÁ A SER
E FAZ CRESCER EM MIM A CERTEZA DE QUE
O ESPAÇO UTERINO NÃO CORRESPONDE AO UNIVERSO.

TRAÇO, ENTÃO, VERSOS UNIVERSAIS
QUE COMPARTILHO COM O TEMPO
ENQUANTO ELE DORME.
ASSIM, TENHO A UTÓPICA PRETENSÃO MATERNA
DE QUE POSSO PROTEGÊ – LO.

E JUNTO AOS PRIMEIROS RAIOS DE SOL
DEVOLVO-LHE O QUE NUNCA ME PERTENCEU:
SEUS SONHOS, SUA VIDA, SUAS DECISÕES.
MANTENHO COMIGO APENAS O QUE COMPETE A MIM:
AMÁ-LO INCONDICIONALMENTE
ENQUANTO A VIDA ME MANTÉM ACORDADA.



Ludimila Beviláqua Fernandes Terra



CULTO À RAZÃO

A beleza
Destreza,
Nobreza.
Ah, a beleza!!!!

Em que idade ela mora?
Namora?
Vai embora?
Consola!!

Passa.
E que bom que passa!
Assim, pode ser vista por dentro
Já que fora ela mora.

E lá do outro lado,
Bem do outro,
Ou de si mesma,
Lá está ela
Bela
Onde ninguém foi capaz de achar,
Nem mesmo de descobrir que existe
Ali
Bem ali
No avesso.
E por ser assim,
Do lado de fora também está.

Simplesmente.
Simples e na mente,
Somente
Semente
Sem mentir
Verdade
Ver a idade
Vaidade
Vai a idade
E que bom que vai!

Sai , então, de mim
Porque nunca em mim esteve
A pele, apele!
Perplexo , reflexo
Sem nexo?
Retrocesso.

Imagem
Ih, a margem!!
Imagine.
Reanime.
Passe. Ultrapasse
E assim ,então, depois
E sempre
O parto:
Participe... sem partir!


Ludimila Beviláqua F. Terra


sexta-feira, 3 de julho de 2009


AS ARTES

“ A unidade da arte reside no fato de que, não importa se com palavras, sons melódicos, cores ou massa, o artista cria imagens que exprimem seu sentimento profundo do mundo.”
Escrever, pintar, arquitetar, teatralizar, dançar, compor, esculpir ... as mãos humanas são, realmente, surpreendentes. Surpreendentes ao manisfestarem concretamente o imaginário : uma tradução da linguagem espiritual.
A arte transcende a lógica ; dribla a exatidão ; molda convicções.
O artista é, indiscutivelmente, o cronista de seu tempo. Provamos isso, ao analisarmos os estilos de época. Provamos isso, quando percebemos que nada é totalmente novo em se tratando de arte. O artista influencia e é influenciado. Percebe e sente as minúcias de seu tempo: conta-nos ,mostra-nos , embriaga-nos com sua lucidez.
A arte é muitas coisas ... é criação, é invenção, é transformação.
Não procure funções para sua existência ... o olhar do artista não está preocupado com suas explicações. Basta que, a partir de sua obra, nenhuma imagem passe impunemente diante de seus olhos, ouvidos ou mãos.
Ao deparar-se com um teto pintado por Mestre Ataíde, não gaste nomenclaturas ... emocione-se ! Ao tocar os profetas de Aleijadinho, deixe que a pedra-sabão derrame solidez. Derreta-se com os relógios amolecidos de Dalí. Não permita que seu filho cresça sem Monteiro Lobato. Colha girassóis de Van Gogh. Passeie pelas pontes de Monet. Brinque com os meninos de Brodósqui de Portinari. Compreenda as metáforas de Neruda. Surpreenda-se diante das cores de Frida Kallo . Tome um vinho tinto ouvindo Jobim. Pise descalço no solo rachado de Graciliano. Ame Diadorim como Riobaldo. E acredite no compositor Claude Debussy quando ele diz que a arte é a mais bela das mentiras.
Ao retratar a história visual do pensamento, o artista é quase mágico ... capta o abstrato : concretiza- o.
Um outro mundo? Talvez ! Mas prefiro crer na sensibilidade. Aquela sensibilidade que faz com que uma teia de aranha molhada pela chuva seja descrita como um guarda-chuva de cristal.
O universo artístico é o universo da subjetividade. A matéria-prima ... a própria existência. “ Uma parte de mim é todo mundo. Outra parte é ninguém : fundo sem fundo.”
Retomo aos verbos iniciais e imperativamente peço-te : escreva, pinte, arquitete, teatralize, dance, componha, esculpa ... viva para contar que a mente humana é inesgotável e que a maior das expressões artísticas está na simplicidade, na cumplicidade e na espontaneidade do ato de criar.

Ludimila Beviláqua F. Terra