domingo, 13 de fevereiro de 2011

PRETÉRITO MAIS QUE PERFEITO

(Crônica publicada no site www.jccarangola.com.br 29 de janeiro de 2011)

Muitas vezes fiz rir alguns amigos quando discutia a prepotência de um pretérito que se julga “mais que perfeito” . Teorias e destilações gramaticais à parte, pude compreender, finalmente, a função desse passado.

Para entender melhor, na última segunda fui surpreendida no café da manhã por um telefonema que me desestruturou, fez fugir de mim a tão protetora segurança das terras capricornianas: minha amiga June havia morrido! E eu, mais uma vez, não estava perto dela.

Começo a reviver nossos, então, mais plurais pretéritos, um longa de muitas narrativas, com tempo e espaço ilimitados por nossos delírios literários. Nem no meu mais sórdido enredo ficcionaria esse desfecho.

Não, não era sua hora, era cedo demais, dolorido demais, triste demais. Tudo nela foi superlativo, até a forma de morrer. Superlativa também é a saudade, que vai embolando assim a nossa voz, que faz com que cruzemos olhares perdidos, molhados e azuis, colorindo a tristeza com sua cor predileta.

Rimos sempre e muito de muitas coisas, seu humor ácido que maltratava desentendidos sem piedade e fazia dela a “minha Clarice”.

Muitos pretéritos… nossa adolescência de ideais tão precoces, nossa juventude nutrida pelas músicas e livros que fizeram de nós quem somos, nossos encontros não realizados, nossos inesquecíveis encontros realizados, nossos filhos pintando juntos aquele guarda-roupa…

Impossível não ter em mim as consequências dessa amizade, que são muitas e que se farão presente e futuro sempre e que me fazem hoje, compreender finalmente a função desse pretérito que é mesmo mais que perfeito. Ele existe para contarmos histórias de amigos, de amor, de vida, de família. Ele existe, porque existem pessoas, sentimentos, momentos e contextos que não cabem em sínteses e para isso ele precisa ser superlativo, como ela, que deixou comigo muitas histórias que ainda poderão ser contadas através do que mais cultuamos: a palavra; seja ela escrita, pronunciada, cantada ou simplesmente encantada, assim como minha amiga azul. Reticências.

Ludimila Beviláqua F. Terra