domingo, 11 de setembro de 2011

WC FEMININO

Nunca pensei que uma fila de banheiro me renderia algo além de uma boa dose de impaciência. Enquanto espero ali, sei que perco meia dúzia de gargalhadas na mesa e meu copo perde a temperatura ideal. Sabe aquela sensação que tínhamos nos bancos da universidade quando a melhor aula do melhor professor foi justamente aquela que você perdeu? E o show daquela banda? Você não foi, mas eles arrasaram! Então, é essa a sensação que tinha ao deixar a mesa para enfrentar incontáveis minutos na fila. Isso antes, porque agora, o banheiro feminino, de preferência bem cheio, virou para mim objeto de pesquisa.
O WC me reservaria reflexões ímpares. Assistiria ali a dança da fêmea tentando intimidar a própria espécie. Questiono: atrairia a outra espécie assim? Quero muito pensar que não! O espelho inflava egos narcisistas, espremia quem almejava apenas cumprir ali um ritual fisiológico. Gargalhadas...muitas! Dos outros, do nada,por nada. Menos pelo mais engraçado: si mesmas.
A fila não andava e o que antes era um tormento ganhava um estranho e íntimo desejo de que o tempo durasse um pouco mais. Não muito, mas o suficiente para responder minhas indagações. Observava atentamente cada movimento, experimentando criar sentido para eles. A roupa apertada moldava incomodamente a silhueta, desenhava contornos cujo padrão nem sempre considera atraentes. Os sapatos, maltratavam os pés como em um ritual do oriente que aleija com o intuito de embelezar.
Como sofrem algumas mulheres que se sujeitam ao molde! E como são iguais! Iguais nas cores, nas texturas, nos sabores das frutas eleitas para representá-las. Iguais no que vestem, no que falam, no que ouvem e na maneira como andam. Eu dividia naquela pequena multidão com outras duas ou três mulheres a máxima “peixe fora d’água”. Não sabíamos nos comportar como exigia a situação. Estávamos despidas das ferramentas necessárias para completar a cena. Também, nunca foi esse o nosso desejo. Falo por elas, embora não as conheça, pelo olhar atônito trocado no silêncio. Éramos desgarradas do rebanho afoito. Tínhamos, talvez, a serenidade de poder ser “gauche na vida” sem a alienação absurda em relação ao que é essencialmente belo.
A verdadeira vaidade não acontece só porque existe o olhar do outro. Existe porque é um carinho, um cuidado seu com você mesmo e isso nem sempre é explícito e muito menos depende de holofotes. O olhar do outro será verdadeiramente seu se você for naturalmente de verdade e isso inclui olheiras e cicatrizes.
Chega finalmente minha vez. No cômodo de decoração duvidosa cumpro o desfecho de uma história distante da minha realidade. Saio sem me despedir. De alma leve volto à mesa. Nela, não disputamos espelhos, nem moldes, nem egos. Somos felizes. Simples assim!
Ludimila Beviláqua F. Terra

terça-feira, 26 de julho de 2011

PARA QUE SERVE UM IRMÃO?

Um irmão serve para dividir os apertos
E para dar sentido ao aperto de mão.
Um irmão serve para acolher,emprestar o ombro e o coração.
Serve para parar o relógio diante da pressa e ouvir.
Serve para transformar o silêncio em conselho.

Para que serve um irmão?
Serve para compartilhar aquela música,
Para conversar com os olhos,
Para emocionar o encontro.
Para manter viva a memória.

Um irmão serve para descontarmos nossa fúria,
Para aprendermos a pedir desculpas,
Para aprendermos perdoar.

Para que serve um irmão?
Um irmão serve para nos levar para casa,
Para sentir e provocar ciúmes.
Para recomendar o melhor bar,
E sentir sua ausência na hora do brinde.

Um irmão serve para nos honrar,
Para nos orgulhar,
Para nos fazer sorrir
Para compartilhar lembranças e emoções.

Serve para que nunca, e em tempo algum, estejamos sós!


PARA A CIDADE DE PEDRO


Que Petrópolis é uma cidade encantadora é fato, é lugar-comum reverenciar sua arquitetura, suas inesgotáveis referências históricas, seus personagens reais em enredos que povoam nossos livros didáticos e literários.
Vivi em Petrópolis por dois anos e desde então, não consigo passar um só ano inteiro sem beber de suas fontes: a cultura, a gentileza dos passantes, o geladinho das manhãs. É como energizar para seguir o caminho.
Foi para isso que passei por ali no último feriado. Fotografava como uma turista e tentava ângulos ainda não registrados nesses anos todos de convivência. E como os encontro! Infinitos ângulos, inusitadas cenas. Não tenho a conta das imagens registradas, mas não há uma só repetida, ainda que seja do mesmo lugar.
Fiquei pensando, então, nas mais belas descrições que li sobre Petrópolis. A última, e talvez a mais bela, foi assinada pelo maestro João Carlos Martins numa crônica da Revista de Domingo do Globo. Falava da sua relação de intimidade e paixão. De sentimentos que o moveriam na apresentação que faria na cidade. Sua descrição era emocionante, lúdica e forte como sua vida e sua obra.
Inebriada pelos caminhos que o autor me conduziu, comecei um passeio pela luz do inverno. A manhã petropolitana é cintilante nesta estação. Caminhar por suas calçadas e observar a maneira como o Sol abraça sua arquitetura, é saudável para o espírito. A Catedral iluminada pelo Astro Rei remonta cenários cinematográficos, de atmosfera lírica. Ali, não me curvo à monarquia, mas, definitivamente, me faço súdita dessa cidade.
Preciso voltar, sempre, a Petrópolis. Tenho motivos para isso, muitos. Mas o maior de todos é por ter começado ali a maior das histórias de amor. E por isso, enxergo as belezas e tão somente elas. Reconheço os problemas, mas quando estou na cidade de Pedro não penso neles, não os vivo, não os quero. Pena mesmo é que o Natal seja no verão. Pois vestida de luzes para a festa, Petrópolis é sedutora. Combinaria muito com o tinto do vinho.
Revivo, passeando, personagens de uma história real: a minha história. Vão envolvendo-me aos poucos numa saudosa sensação. Tenho ali também a acalentadora impressão de estar em casa.
Petrópolis é muitas. Tem a Bohemia e a boemia. Tem a arte e inúmeras manifestações artísticas. Tem meninos-canários cujas vozes remetem ao Divino. Tem palácios encobertos pela névoa branquinha nos convidando a admirá-los. Tem a Sombra e a Luz recontando a História do nosso país, cruzando os jardins que Pedro caprichosamente cultivou. Tem vitrais coloridos e verdes caminhos. E muitas vezes reticências.
A atmosfera petropolitana é decididamente singular. E foi essa atmosfera que dividimos com os amigos em nossa última passagem por aquelas terras. E por ter sido tão bom, é que partilho com você, leitor, uma fatia desse bolo que provavelmente já tenha sentido o sabor, ou quem sabe seja um convite, para que também saboreie uns dias na serra.
Os parabéns, na ocasião, eram para os 150 anos da estrada União e Indústria. O chopp, mais bem servido que já experimentei, vinha da antiga fábrica da Cervejaria Bohemia, reativada para saudar os convidados, o cenário era o Palácio de Cristal. E foi assim que brindamos mais uma vez à vida, ao amor e à alegria de podermos estar ali. Saúde!

quinta-feira, 16 de junho de 2011

CARANGOLANDO

“A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.” (Graciliano Ramos)

Fazemos escolhas. E são elas que vão dizendo com o tempo quem somos. Escolhemos os amigos, escolhemos a profissão, escolhemos ser felizes. O que nos faz escolher uma cidade do interior de Minas para viver e criar nossos filhos? Tenho inúmeros argumentos que justifiquem essa escolha, entre os principais, o sossego, a segurança, a proximidade de tudo, inclusive das vidas. Foi um pouco do que me moveu quando escolhi viver em Carangola. Terra natal, terra de cachoeiras exuberantes e caminhos mineiros com suas paisagens na janela. Terra de amigos tão íntimos, família, histórias.
Mas o cenário vem mudando, descaracterizando-se... Não falo das montanhas cortadas pelo precário asfalto por onde supostamente chegaria o progresso, nem dos prédios que fazem sombra na nossa bela história de arquitetura térrea. Falo de reações, importadas dos grandes centros. A falta de paciência é a principal delas. Temos engarrafamento(?). Excesso de automóveis, de falta de educação e de imprudência. Temos semáforo e pessoas buzinando assim que ele abre, mostrando que estão devidamente antenadas com o comportamento das metrópoles. Falta que xinguem, porque os gestos e as caras fechadas já estão devidamente atualizados. Mal humor, falta de gentileza, pressa. Não foi essa a cidade que escolhi. Não combina dirigir dando voltas em busca de uma vaga. Não combina barulho. Não combina fila no mercado. Não combina violência. Não combina insegurança. É, temos violência, residências assaltadas, não é moderno? Temos horários mais seguros para os filhos transitarem, temos grades e cercas elétricas. Temos medo.
Se é para convivermos com todas as mazelas de uma grande cidade, não vale então nos privarmos do cinema, do teatro, das variedades, das oportunidades. Se nas calçadas não há mais lugar para as cadeiras e a prosa dos vizinhos enquanto os filhos jogam bola na rua, vamos então lotar andares de desconhecidos, encaixotar pessoas e pagar cada dia mais caro pelo metro quadrado.
Chega de romantizar Carangola, fazer versos para um rio sujo, maltratado pela ignorância. Chega de idealizar títulos que nem importância teriam nesse contexto. O que a realidade esfrega impiedosa na nossa cara é que temos jovens e não fazemos nada por eles; temos escolas e atuamos muitas vezes contra elas; temos carnaval e tiramos dele o samba e a fantasia: a literal e a subjetiva.
Otimista, me agarro ao que penso poder nos livrar dessa pseudomodernidade: nossa poesia, nosso olhar lírico, nossa mineiridade. O amor pelo simples, a falta de pressa, o ouvir o amigo sem olhar pelo menos três vezes no relógio. Gerar gentilezas, esperar, parar, lembrar que temos passarinho. Não reclamar do perfume da Dama da Noite, insistente em seduzir os apressados passantes. Olhar o céu em noite de Lua, em dias azuis, em dias nublados (nós,mineiros,gostamos), com ou sem estrelas...olhar o céu! E aqui, romantizo as pessoas.
Bom dia, boa tarde , boa noite... vamos tomar um café? Nossas casas de portas abertas, o frescor do outono, o desenho das montanhas, o colo para o filho, o colo como filho. Estamos com crédito, as coisas boas ainda ultrapassam as ruins e é nisso que precisamos investir: nas pessoas do bem, na força da palavra e na esperança, que dizem nunca morrer.


Ludimila Beviláqua Fernandes Terra

domingo, 13 de fevereiro de 2011

PRETÉRITO MAIS QUE PERFEITO

(Crônica publicada no site www.jccarangola.com.br 29 de janeiro de 2011)

Muitas vezes fiz rir alguns amigos quando discutia a prepotência de um pretérito que se julga “mais que perfeito” . Teorias e destilações gramaticais à parte, pude compreender, finalmente, a função desse passado.

Para entender melhor, na última segunda fui surpreendida no café da manhã por um telefonema que me desestruturou, fez fugir de mim a tão protetora segurança das terras capricornianas: minha amiga June havia morrido! E eu, mais uma vez, não estava perto dela.

Começo a reviver nossos, então, mais plurais pretéritos, um longa de muitas narrativas, com tempo e espaço ilimitados por nossos delírios literários. Nem no meu mais sórdido enredo ficcionaria esse desfecho.

Não, não era sua hora, era cedo demais, dolorido demais, triste demais. Tudo nela foi superlativo, até a forma de morrer. Superlativa também é a saudade, que vai embolando assim a nossa voz, que faz com que cruzemos olhares perdidos, molhados e azuis, colorindo a tristeza com sua cor predileta.

Rimos sempre e muito de muitas coisas, seu humor ácido que maltratava desentendidos sem piedade e fazia dela a “minha Clarice”.

Muitos pretéritos… nossa adolescência de ideais tão precoces, nossa juventude nutrida pelas músicas e livros que fizeram de nós quem somos, nossos encontros não realizados, nossos inesquecíveis encontros realizados, nossos filhos pintando juntos aquele guarda-roupa…

Impossível não ter em mim as consequências dessa amizade, que são muitas e que se farão presente e futuro sempre e que me fazem hoje, compreender finalmente a função desse pretérito que é mesmo mais que perfeito. Ele existe para contarmos histórias de amigos, de amor, de vida, de família. Ele existe, porque existem pessoas, sentimentos, momentos e contextos que não cabem em sínteses e para isso ele precisa ser superlativo, como ela, que deixou comigo muitas histórias que ainda poderão ser contadas através do que mais cultuamos: a palavra; seja ela escrita, pronunciada, cantada ou simplesmente encantada, assim como minha amiga azul. Reticências.

Ludimila Beviláqua F. Terra