sexta-feira, 31 de julho de 2009


CONSIDERAÇÕES SOBRE UM PIJAMA


O azul nada tinha de céu

Os pés descalços nada tinham de liberdade

O sol nem era bem vindo

pois o trabalho não era dignidade


O espaço, não era sideral

O encontro não era ocasional

O choro não era proposital

A dor era real

Os uniformes sem compaixão

Os disformes sem ilusão

Os conformes sem solução


E o azul, nada tinha de céu

E o humano pouco tinha de seu

Diante do outro

O olhar da inocência

Sem entender tamanha insolência

Brincou, como se fosse o céu

Sonhou, como se fosse seu

Morreu, como se fosse eu

Ponto final


O LIVRO EM TRÊS CONJUGAÇÕES

um livro por ler

um livro para ler

um livro para ter

um livro para ser

um livro para comer

outro por cometer

um livro para começar

um livro para desfrutar

um livro para aspirar

outro para terminar

um livro para sentir

um livro para exprimir

um livro para digerir

um livro para consumir

outro para deglutir

um livro

eu livre

eu li

domingo, 19 de julho de 2009

A SABEDORIA COVARDE

Temos medo de formar leitores...desses que subvertem, contestam, atestam. Temos medo de formar leitores, da mesma forma que temos medo de formar eleitores. A leitura ainda é usada de maneira excludente, como em sua arrogante origem. Tentamos fazê-la democrática, mascaradamente democrática, mas a leitura, ainda é privilégio. E aquele que acredita tê-la dominado, se humilha diante da manipulação apelativa e inteligente da publicidade. Passivo, atende aos caprichos de anúncios minuciosamente elaborados para seduzi-lo. E se rende...sem nenhuma contestação.

Falamos de uma escola humanista e hipertextualizada, mas não fomos preparados para conduzi-la. Falamos de pluralidade textual como fórmula mágica de acompanhar a grande rede, mas nosso despreparo nos assusta e nos posiciona covardemente diante do outro.

Enquanto destilamos conceitos e nos apropriamos de códigos, o leitor vai, assumidamente, se relacionado com textos convenientes à sua vida. Aí se encontra a possibilidade de envolvê-lo com o ato de ler: provando de palavras que pode saborear, porque lle são possíveis.

A história nos comprova essa relaçãoquando nos remete aos folhetins, degustados prazerosamente, capítulo por capítulo, em praças públicas. O encanto pela leitura era real e o corpo tembém falava. É certo que se criaram funções práticas que fariam da leitura uma maneira de ascender socialmente aqueles que eram economicamente desfavorecidos e isso, certamente, ofuscou o olhar do leitor, obrigou-o, desafiou-o como gente.

Um leitor, jamais pode repousar... ele precisa produzir sentidos, não se subordinar, não permitir que a leitura se perca e reviver, através dela, a sua constante renovação.


Ludimila Beviláqua Fernandes Terra

quarta-feira, 15 de julho de 2009


PALAVRA COMPOSTA

Da pulsante aquarela
A palavra-imagem
Salta aos olhos
E percorre serena
E caprichosamente seu destino-artéria.


Cintila e emana vida
Partilhada e desejada.
A infância transfigura-se em flor
A flor transfigura-se em ideal.

Do desenho-jardim
Vou colher a matéria-sonho
E encontro solidez:
Madre-mãe Coração-semente.

Percebo na cor
O traçado vibrante da existência
Contornos incertos
Certezas contornadas:
Verdades.

Pinto, então, com palavras,
Uma tela transparente
Que sobreposta à imagem
Revela-se em harmônica energia:
Madre-mãe
Eu e Ela
A Palavra e a Tela:
IRMÃS.



Ludimila Beviláqua F. Terra
MEMÓRIAS

Algumas coisas são essenciais... os sentidos, por exemplo. Tato, visão olfato, paladar e audição se unen numa perfeita definição: a possibilidade de sentir integralmente as emoções.
Vivo uma delas, em sua plenitude.
À minha frente, corredores, salas, varandas, pátio, jardim, compõem um cenário absolutamente familiar. Há vinte e um anos atrás, os portões da Regina Pacis eram para mim uma incógnita; representavam o novo, o improvável, o imprevisível.
Eu, uma criança de dez anos, experimentava no estômago o friozinho da estréia.
Minha vida seria então habitada por personagens e personalidades inesquecíveis. Alí, aprenderia o poder da palavra : escrita, falada, escutada. Alí, sentiria que a camisa de um time é muito mais que a representação de uma equipe; construiria sólidas amizades. Alí, viveria as transformações da idade, me identificaria ou não com pessoas e atitudes, respeitaria as diferenças...cresceria.
Vinte e um anos depois, à minha frente, os portões da Regina Pacis eram novamente uma incógnita, um imprevisível encontro e outra vez a estréia me esfriou o estômago.
Nesse momento provei intensamente de meus sentidos... o cenário, agora seria identificado por seus cheiros, gostos, sons e belezas. Experimentei lembranças.
Meu Deus... o cheiro da capela, perfume pra alma!
No pátio, as reivindicações por um lugar no time me retornavam sons muito presentes. Deslizei minhas mãos pelo corrimão da imponente escada e pude perceber sua imutável solidez.
O lanche no recreio... a incontestável beleza arquitetônica...rostos tão conhecidos...íntimos.
Hoje não vim buscar a “caderneta”, mas meu diário de classe!
Para meus alunos, resgato o melhor de meus mestes.
Para minha escola, resgato minha história ; revisito saudosamente as páginas de seu livro-vida e encontro nas palavras do poeta minha saudação :
“ Evoca os reinos incomunicáveis do espírito, onde o sonho se torna pensamento, onde o traço se torna existência “.
É... algumas coisas são decididamente essenciais!

Ludimila Beviláqua Fernandes Terra

terça-feira, 7 de julho de 2009

DESCREVER


Quando escrevo
Tenho a coragem de um sonâmbulo
Quando escrevo
Provo da eterna ausência de forma da alma.

Escrever, é não limitar a palavra
É desrespeitar o óbvio, é compor.

Quando escrevo
Possuo a força de um homem
A alegria de uma criança
A compreensão de uma mulher.

Quando escrevo
Ganho a solidez da terra
O romantismo do mar
O mistério do céu.

Escrever, é se desprender de formas
É não crer em fórmulas
Ilimitar-se

Escrever, é como ouvir música...
É dançar.

Quando escrevo
Sou a versatilidade do acaso
A proteção de uma mãe
E a pretensão de um ser humano.


Ludimila Beviláqua F. Terra







segunda-feira, 6 de julho de 2009


ACORDES


Num delicado movimento, os dedos acordam, suavemente, as cordas de um violão. Nesse momento, os amigos aproximam suas cadeiras da mesa e brindam com os olhos, numa conivência sã.
Dali pra frente, a melodia marcará o compasso da prosa. Pelos versos dos Borges, o manto azul-escuro , salpicado de estrelas, nos cobrirá por mais uma noite.
A lua, se não houver, será cantada ... encantada ... compartilhada.
Minas, é absolutamente musical. Feita de palavras pautadas. Feita de janelas que se abrem para paisagens estonteantes. Feita de girassóis que assumem tonalidades surpreendentes. Feita pra cantar.
Conviver com a música mineira, é conviver com a mais sensível expressão do belo. É deixar a cachoeira te lavar a alma ; é curar-se com perfumadas ervas.
Perceber a música mineira, é aprender a bordar ; é vigiar o avesso perfeito : costurar ... tecer. É tropeçar nas pedras do caminho : poetizar.
Saborear a música mineira é fazer amigos ; é fazer compadres ; é fazer cúmplices.
E assim, a cor alaranjada anuncia o sol. Na mesa, no último brinde , um próximo encontro.
Embriagados pelo som, nos despedimos de um sonho que jamais deixaremos envelhecer.

Ludimila Beviláqua Fernandes Terra

Crônica publicada no livro “Minas eu te amo”

sábado, 4 de julho de 2009


SONO DE FILHO


DA LEVE RESPIRAÇÃO
A PROFUNDIDADE DO SONO
ACALMA MEUS SENTIDOS.
AO OLHÁ-LO, CAPTO TREJEITOS PATERNOS
DE VERACIDADE ABSOLUTA.

ROGO POR SUA PROTEÇÃO
CONSERTO OS CACHINHOS
DESARRUMADOS POR SEUS SONHOS DE HERÓI
IDEALIZO QUE SUA FELICIDADE SEJA PLENA.

DE SUAS HISTÓRIAS INFANTIS
O DELÍRIO MÁGICO DO VÔO
UNE-SE AO PODER DOS ELEMENTOS
TORNANDO-O UM SER IMBATÍVEL.
CRESCE NELE O HOMEM FORTE QUE VIRÁ A SER
E FAZ CRESCER EM MIM A CERTEZA DE QUE
O ESPAÇO UTERINO NÃO CORRESPONDE AO UNIVERSO.

TRAÇO, ENTÃO, VERSOS UNIVERSAIS
QUE COMPARTILHO COM O TEMPO
ENQUANTO ELE DORME.
ASSIM, TENHO A UTÓPICA PRETENSÃO MATERNA
DE QUE POSSO PROTEGÊ – LO.

E JUNTO AOS PRIMEIROS RAIOS DE SOL
DEVOLVO-LHE O QUE NUNCA ME PERTENCEU:
SEUS SONHOS, SUA VIDA, SUAS DECISÕES.
MANTENHO COMIGO APENAS O QUE COMPETE A MIM:
AMÁ-LO INCONDICIONALMENTE
ENQUANTO A VIDA ME MANTÉM ACORDADA.



Ludimila Beviláqua Fernandes Terra



CULTO À RAZÃO

A beleza
Destreza,
Nobreza.
Ah, a beleza!!!!

Em que idade ela mora?
Namora?
Vai embora?
Consola!!

Passa.
E que bom que passa!
Assim, pode ser vista por dentro
Já que fora ela mora.

E lá do outro lado,
Bem do outro,
Ou de si mesma,
Lá está ela
Bela
Onde ninguém foi capaz de achar,
Nem mesmo de descobrir que existe
Ali
Bem ali
No avesso.
E por ser assim,
Do lado de fora também está.

Simplesmente.
Simples e na mente,
Somente
Semente
Sem mentir
Verdade
Ver a idade
Vaidade
Vai a idade
E que bom que vai!

Sai , então, de mim
Porque nunca em mim esteve
A pele, apele!
Perplexo , reflexo
Sem nexo?
Retrocesso.

Imagem
Ih, a margem!!
Imagine.
Reanime.
Passe. Ultrapasse
E assim ,então, depois
E sempre
O parto:
Participe... sem partir!


Ludimila Beviláqua F. Terra


sexta-feira, 3 de julho de 2009


AS ARTES

“ A unidade da arte reside no fato de que, não importa se com palavras, sons melódicos, cores ou massa, o artista cria imagens que exprimem seu sentimento profundo do mundo.”
Escrever, pintar, arquitetar, teatralizar, dançar, compor, esculpir ... as mãos humanas são, realmente, surpreendentes. Surpreendentes ao manisfestarem concretamente o imaginário : uma tradução da linguagem espiritual.
A arte transcende a lógica ; dribla a exatidão ; molda convicções.
O artista é, indiscutivelmente, o cronista de seu tempo. Provamos isso, ao analisarmos os estilos de época. Provamos isso, quando percebemos que nada é totalmente novo em se tratando de arte. O artista influencia e é influenciado. Percebe e sente as minúcias de seu tempo: conta-nos ,mostra-nos , embriaga-nos com sua lucidez.
A arte é muitas coisas ... é criação, é invenção, é transformação.
Não procure funções para sua existência ... o olhar do artista não está preocupado com suas explicações. Basta que, a partir de sua obra, nenhuma imagem passe impunemente diante de seus olhos, ouvidos ou mãos.
Ao deparar-se com um teto pintado por Mestre Ataíde, não gaste nomenclaturas ... emocione-se ! Ao tocar os profetas de Aleijadinho, deixe que a pedra-sabão derrame solidez. Derreta-se com os relógios amolecidos de Dalí. Não permita que seu filho cresça sem Monteiro Lobato. Colha girassóis de Van Gogh. Passeie pelas pontes de Monet. Brinque com os meninos de Brodósqui de Portinari. Compreenda as metáforas de Neruda. Surpreenda-se diante das cores de Frida Kallo . Tome um vinho tinto ouvindo Jobim. Pise descalço no solo rachado de Graciliano. Ame Diadorim como Riobaldo. E acredite no compositor Claude Debussy quando ele diz que a arte é a mais bela das mentiras.
Ao retratar a história visual do pensamento, o artista é quase mágico ... capta o abstrato : concretiza- o.
Um outro mundo? Talvez ! Mas prefiro crer na sensibilidade. Aquela sensibilidade que faz com que uma teia de aranha molhada pela chuva seja descrita como um guarda-chuva de cristal.
O universo artístico é o universo da subjetividade. A matéria-prima ... a própria existência. “ Uma parte de mim é todo mundo. Outra parte é ninguém : fundo sem fundo.”
Retomo aos verbos iniciais e imperativamente peço-te : escreva, pinte, arquitete, teatralize, dance, componha, esculpa ... viva para contar que a mente humana é inesgotável e que a maior das expressões artísticas está na simplicidade, na cumplicidade e na espontaneidade do ato de criar.

Ludimila Beviláqua F. Terra