quinta-feira, 16 de junho de 2011

CARANGOLANDO

“A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.” (Graciliano Ramos)

Fazemos escolhas. E são elas que vão dizendo com o tempo quem somos. Escolhemos os amigos, escolhemos a profissão, escolhemos ser felizes. O que nos faz escolher uma cidade do interior de Minas para viver e criar nossos filhos? Tenho inúmeros argumentos que justifiquem essa escolha, entre os principais, o sossego, a segurança, a proximidade de tudo, inclusive das vidas. Foi um pouco do que me moveu quando escolhi viver em Carangola. Terra natal, terra de cachoeiras exuberantes e caminhos mineiros com suas paisagens na janela. Terra de amigos tão íntimos, família, histórias.
Mas o cenário vem mudando, descaracterizando-se... Não falo das montanhas cortadas pelo precário asfalto por onde supostamente chegaria o progresso, nem dos prédios que fazem sombra na nossa bela história de arquitetura térrea. Falo de reações, importadas dos grandes centros. A falta de paciência é a principal delas. Temos engarrafamento(?). Excesso de automóveis, de falta de educação e de imprudência. Temos semáforo e pessoas buzinando assim que ele abre, mostrando que estão devidamente antenadas com o comportamento das metrópoles. Falta que xinguem, porque os gestos e as caras fechadas já estão devidamente atualizados. Mal humor, falta de gentileza, pressa. Não foi essa a cidade que escolhi. Não combina dirigir dando voltas em busca de uma vaga. Não combina barulho. Não combina fila no mercado. Não combina violência. Não combina insegurança. É, temos violência, residências assaltadas, não é moderno? Temos horários mais seguros para os filhos transitarem, temos grades e cercas elétricas. Temos medo.
Se é para convivermos com todas as mazelas de uma grande cidade, não vale então nos privarmos do cinema, do teatro, das variedades, das oportunidades. Se nas calçadas não há mais lugar para as cadeiras e a prosa dos vizinhos enquanto os filhos jogam bola na rua, vamos então lotar andares de desconhecidos, encaixotar pessoas e pagar cada dia mais caro pelo metro quadrado.
Chega de romantizar Carangola, fazer versos para um rio sujo, maltratado pela ignorância. Chega de idealizar títulos que nem importância teriam nesse contexto. O que a realidade esfrega impiedosa na nossa cara é que temos jovens e não fazemos nada por eles; temos escolas e atuamos muitas vezes contra elas; temos carnaval e tiramos dele o samba e a fantasia: a literal e a subjetiva.
Otimista, me agarro ao que penso poder nos livrar dessa pseudomodernidade: nossa poesia, nosso olhar lírico, nossa mineiridade. O amor pelo simples, a falta de pressa, o ouvir o amigo sem olhar pelo menos três vezes no relógio. Gerar gentilezas, esperar, parar, lembrar que temos passarinho. Não reclamar do perfume da Dama da Noite, insistente em seduzir os apressados passantes. Olhar o céu em noite de Lua, em dias azuis, em dias nublados (nós,mineiros,gostamos), com ou sem estrelas...olhar o céu! E aqui, romantizo as pessoas.
Bom dia, boa tarde , boa noite... vamos tomar um café? Nossas casas de portas abertas, o frescor do outono, o desenho das montanhas, o colo para o filho, o colo como filho. Estamos com crédito, as coisas boas ainda ultrapassam as ruins e é nisso que precisamos investir: nas pessoas do bem, na força da palavra e na esperança, que dizem nunca morrer.


Ludimila Beviláqua Fernandes Terra